27 de abr. de 2010

Soneto de quem se dá


"A vida só se dá pra quem se deu".
Já disse o poetinha vagabundo
Que em seu jeito de boêmio do mundo
Seu segredo de viver concedeu.

É meta: fazer tudo mais fecundo
Qualquer que seja a cor do que nasceu.
Quem vive só feliz já se morreu!
Não sabe ver da vida seu profundo.

Não é questão de ser alegre o choro:
Tudo que chora mais gentil retorna
E nada iguala tal contentamento.

Mesmo que seja solitário o coro,
A minha morte, não a quero morna:
Morro de amores ou morro no intento!

24 de abr. de 2010

Chora

Chora, peito... chora!
Antes que venha a aurora
E diga ser hora
de ir embora...
de ir além...

Chora que o céu é amigo!
E ouve comigo,
Teu pranto em castigo
de não transbordar...

Como n'outrora!
- chora...
Não muito demora,
p'reu molhar estas letras contigo!

O amor, a poesia, as viagens

(Manuel Bandeira)

Atirei um céu aberto
Na janela do meu bem:
Caí na Lapa - um deserto...
- Pará, capital Belém!...

21 de abr. de 2010

.

Tu me vens.

Mansa tarde,
Noites duras,
Tu me vens:
Não há cura.

Vens de leve,
mas precisa.
Nessas ondas,
nessa brisa...
Num balé!
Nas marés
das paredes
e dos mares

Tu me vens
por me faltares.
Já faltam ares
mas 'inda vens!
de mil lugares
- de mim também.

Vens de mim especialmente
És um sonho meu, amável
Ai, paixão imensurável!
Que mal cabe em quem a sente.

Por isso vens
de tudo em volta
pois tudo é teu, honestamente.

Soneto das Luas



"São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida."
(Vinícius de Moraes)


Como ante um amplo luar, de uma luz
Dessas que a todos os vivos seduz,
Comovo-me de saber que tu existes,
- Ainda mais bela do que eu supus.

Pois mesmo a luzir sobre as coisas tristes
Mantém a lua seu encanto em riste
E sem aviso a razão se reduz
À sombra vil de um efêmero chiste...

E me espanta ver, nas duas presenças,
Grandeza tanta, em diminuta imagem;
Firmeza tanta, em velada sentença!

De sangrar, de longe, ante tal miragem;
Contemplar, tal monge, a mais pura ausência
Na eterna noite de eterna viagem.

Soneto do Amor Total

(Vinícius de Moraes)

"Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude."

19 de abr. de 2010

Poema em tom menor (Convite para amar)


Eu queria mostrar-te
A arte que tem
Em gostar de alguém
E fazer mesmo parte.

Mostrar-te, querida,
Da vida que pulsa!
E que em tua repulsa,
Só vês a saída.

Queria que vistes
A triste verdade:
Quem ama a saudade,
Não ama o que existe...

E que vistes em mim,
Assim, inocente
Que o que não se consente
Nem sempre é ruim...

Quero dar-te outro rumo,
Rumo ao vivo amor!
E se pesar-te a dor,
Teu pesar assumo.

Quero abrir-te um caminho
De carinho apenas
Onde qualquer pena
Só doa baixinho.

Que o meu canto onírico
Respire com sorte
E não mais te confortes
Sem algo de lírico

Dar-me pra ti, pequena...
Condena, se capaz!
Mas isso não se faz
Com alma tão serena

Que em honesta cena
Só te pede mais.

15 de abr. de 2010

Soneto à Complexa Matemática

A estes números, loucos e abstratos,
Devoto toda a mais pura repulsa!
Ira que é tão singular e avulsa...
Os cruéis e antigos mentais maltratos!

Amigos, guardai todos meus retratos!
Hei de morrer na luta matemática!
Fácil seriam reações adiabáticas...
...qualquer geometria e seus aparatos!

Desisto, aqui, de qualquer teimosia.
Muito já vai triste por água abaixo...
Medicina, Direito, Economia...

Aceito, pobre, este fino esculaxo.
Meu talento reserva-se à poesia!
Polinômios, divisões... ao riacho!


2007

13 de abr. de 2010

Bom dia

Não me espanta essa tua voz gostosa
Que em meus ouvidos já brincou deveras

Não me espanta essa alegria fresca
Pois nela vi o teu primeiro encanto

O que me vem, e novamente espanta,
É a alegria tanta, tanta, tanta!
Que me dá de acordar assim
contigo a me ligar...
Feito pássaro que canta
e vem de longe me avisar!

Levanto-me sem custo!
Talvez seja até injusto
chamar isso de acordar...

12 de abr. de 2010

Beco

Tentei me esquivar
por tantas desfugas...
Agora já foi!
És mais uma ruga.

11 de abr. de 2010

Soneto da Benção

Vez ou outra não bem sei o que sinto
De modo sucinto - penso que é dor.
A cabeça me dói pelo absinto;
Todas as outras são dores de amor.

Amores que amo, amores que minto,
Esses que finjo só pelo calor...
Outros tão longe que apenas pressinto
Outros só sonhos, que nem têm sabor.

Ah, meus amores! Se não me doêsseis
Não havia poemas como esses!
Vossa bênção maldita grita e vive,

E faz-me vivo enquanto se vigora.
Não tenho dúvidas que sou agora
Bem pouco mais que os amores que tive!

Antiga Surpresa

Meu amor, para contigo,
É mais antigo que esta carta,
Só hoje escrita, mas tão lida,
Tão relida no meu peito...

E é vero, de um jeito
Que não entenderias, de singelo.
Mas é vero, te garanto! e belo!

Por isso apelo, novamente,
Em versinhos decadentes,
Uma chance.
Um romance? ah! quem dera...
Mas primavera ainda tarda
Quem sabe arda, até lá
Algo que valha essa espera
De um romance se sonhar!

Se te revelo, de repente,
Meu amor, talvez demente,
Tem calma.
Minha alma sempre soube
Sempre coube - terno em mim,
Coisa assim... Sempre existiu.
O que há de novo, te confesso,
És só tu. E em excesso!

Ciclos

Ao cansar do sol,
Nasce a melancolia,
poente marrom...

Ao findar das folhas,
Cai o nada - o frio, limpeza.

A um sinal de luz,
Volta a brilhar o que era, a doce primavera.

E quando não mais se espera,
Renasce o sol alegre e quente d'um verão!

Vê então:
A vida não é feita de uma só estação.

Inconstância

"Um dia de chuva é tão belo quanto um dia de sol:
Ambos existem, cada um como é." (Alberto Caeiro)


Bonito seria,
se todos os dias
fizessem-se noites,
como esta de verão.
Mas ontem mesmo havia chuva
E eu realmente não faço questão...

Pois se há beleza no que vive
E o que vive há de sentir,
Ser constante é ilusão;
Auto-fraude e perdição.

10 de abr. de 2010

Horizonte

Quando chove muito
E se vê o mar,
O horizonte cede:
Concede ao céu a sua linha
E não se sabe bem
de quem é quem...

Sabes, querida?
És meu único horizonte
E por ti é que mergulho
neste mar de espinhos.
Mas em minh'alma
E em minha vista
Chove tanto!
Que já não sei se canto
Mais por ti
Ou pelo caminho
do (a)mar...

Conceitual


Paixão,
qualquer coisa que queima,
qualquer coisa que arde;
Amor,
um singelo poema,
um gentil fim de tarde




.

Poema Simples

Tenho-te, e tudo é bom.

Sei do que existe,
Mas que me importa?
Por trás dessa porta
Há um mundo flácido e sem tom;
Há vida efêmera e sem vida.
Há uma poltrona carcomida
E uma orquídea marrom.

É mergulhado em nosso meio,
No abrigo quente do teu seio,
Que sei que tenho-te, e tudo é bom.

E não há nada
mais
- nem som.

A vida é isso,
A vida é nossa,
e é bom!
é bom.
é bom...

Consolação

A vida não pode ser fria
- nem vazia! nem dormente.
Há de haver romance...
(há de haver poesia!)

Há de haver a chama dos que vivem
Ou talvez a chama do que vive só.
Ou ao menos vida - simplesmente,
Em chama extinta, desmanchada em pó!

Mas a vida nunca é fria
- não completamente

Porque mesmo se vazia,
faz-se luz de sua agonia
e de luz se faz poesia.

E a poesia esquenta a vida
- eternamente.

Quem ama inventa

"Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
E então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! meu pobre, meu grande amor distante
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!"

Mário Quintana